Hillsborough: 28 anos da maior tragédia no futebol inglês

Foto: Clive Brunskill (Getty Images)

15 de abril de 1989, uma data em que a Inglaterra viveu nitidamente a pior e maior tragédia da história de seu futebol. Um dia que estava destinado a ficar marcado na história, um dia que não foi de vitória no mundo do futebol, mas de dor, sofrimento e tortura na vida de muitas pessoas. A imagem que esperávamos era a de um finalista para a Copa da Inglaterra, mas as imagens que temos do jogo são essas:








Liverpool e Nottingham Forest se enfrentavam pela fase semifinal, em jogo único. O palco foi o Estádio de Hillsborough, situado em Sheffield, Inglaterra. O Liverpool havia se metido há pouco tempo na tragédia do estádio de Heysel na Bélgica, onde em jogo contra a Juventus pela final da Liga dos Campeões de 1985, os torcedores hooligans dos Reds iniciaram o tumulto que levou a morte de 39 torcedores da Juventus. O resultado foi o banimento dos clubes ingleses de participar de competições europeias. Com isso se iniciava a imensa busca por um lugar com segurança, que pudesse receber as grandes torcidas para esse jogo importante e que impedisse qualquer confronto entre as torcidas rivais. Escolhido a dedo pela FA, o estádio com capacidade para mais de 50 mil torcedores, uma tradição em sediar decisões da Copa da Inglaterra na década de 1980, e com um detalhe importante: possuía um alambrado separando torcedores do gramado, algo pontuado como necessidade ao jogo.

A torcida do Nottingham, que era minoria, ficou num setor para 20 mil e com várias saídas. A torcida do Liverpool ficou em Leppings Lane, um setor com 14.600 lugares, que continha apenas 6 entradas e poucas saídas. Na época havia a possibilidade de compra de ingressos no dia do jogo. Os ingressos para os torcedores do Liverpool se esgotaram rapidamente e cerca de cinco mil torcedores não conseguiram comprar. Irritados, começaram a fazer barulho fora do estadio. Muitos torcedores do Liverpool, com ingressos, não conseguiam chegar às entradas por causa desses que não tinham ingressos. O jogo começou às quinze horas do dia 15 de abril de 1989. Com os jogadores em campo, prontos para o apito inicial, vários torcedores do Liverpool tentavam passar pelas catracas e entrar no estádio. Havia torcedores fora do estádio sem ingresso, e a segurança resolveu o problema abrindo um dos setores de saída para a entrada dos que faltavam, a poucos minutos do início da partida. A situação já era caótica, mas fazendo jus a pontualidade britânica, a partida iniciou no horário.

Com a bola em campo, milhares de torcedores se espremiam após a abertura dos portões localizados no setor oeste do estádio. Com a soma de 2000 torcedores a mais do que o permitido, foi iniciado um tumulto. O caos foi tamanho, que fez a polícia chegar a possibilidade que se preparava uma invasão ao campo, e foram chamados reforços para controlar a multidão. A polícia, então, decidiu abrir passagens usadas para a saída da torcida, que não tinham catracas.

Um fluxo de torcedores seguiu através de um túnel estreito na parte traseira do campo, causando uma queda enorme na frente do campo, onde as pessoas estavam sendo pressionadas contra as grades pelo peso da multidão atrás deles. Os torcedores próximos à grade foram prensados, pois as mesmas separavam o público do gramado e impediam as pessoas de escapar. Pouco conseguiram escapar, pulando o alambrado e rompendo um pequeno portão. Mas quem ficou do lado inverso a este portão não tinha possibilidade de fuga, o que só foi possível quando o muro cedeu e os torcedores correram para o gramado. Centenas  de policiais, em vez de ajudar as vítimas, formaram um cordão de isolamento no meio do campo, com medo que se iniciasse uma briga entre as torcidas. Só depois de alguns minutos que a polícia percebeu a verdadeira razão para a invasão e abriu as grades e portas de acesso ao campo, deixando os torcedores do Liverpool entrarem

Após 6 minutos de jogo, a partida foi interrompida, e os torcedores começaram a serem atendidos dentro de campo. Os feridos eram transportados nas placas publicitárias que faziam as vezes de macas. 94 pessoas foram dadas como mortas no dia, e mais 2 depois. No total foram 766 feridos. A vitimas tinham idades entre 10 e 67 anos e a maioria morreu asfixiada e esmagada.

O jogo acabou cancelado e nova partida foi realizada no dia 7 de maio. O Liverpool venceu por 3 a 2 e se classificou para a final contra o seu rival de cidade, o Everton. A decisão ocorreu em Wembley e o Liverpool venceu - uma vitória sem clamor, sem comemoração e marcada pelas lembranças da tragédia.

Em agosto de 1989, Lord Taylor de Gosforth foi designado para conduzir o inquérito sobre os motivos para a tragédia em Hillsborough Um documento com dezenas de páginas detalhando as causas da tragédia foi divulgado,conhecido como “Relatório Taylor”. As principais causas apontadas para as mortes foram a falha do controle policial sobre a multidão e a inadequação das instalações do estádio. Nas páginas, havia também  medidas a fim de mudar os estádios ingleses que foram prontamente atendidas.As principais diziam que os estádios não poderiam ter grades ou alambrados para separar o público do campo, nenhum torcedor poderia assistir ao jogo de pé, os ingressos seriam numerados. Três clubes já começaram a retirar os alambrados dos seus estádios: o Derby County, Newcastle e o Tottenham. As grades do estádio do Sheffield, palco da tragédia, também começaram a ser removidas. Essas medidas modernizaram os estados, e sobretudo elevaram o faturamento dos clubes, com ingressos a preços mais elevados.

Um ano depois saiu a publicação do relatório oficial do governo sobre os acontecimentos e este culpava os torcedores do Liverpool por seus abusos no álcool e na violência. Durante muitos anos, os torcedores do clube protestaram e rejeitaram totalmente esse relatório. Um relatório do Painel Independente de Hillsborough concluiu que 164 depoimentos foram alterados para culpar os torcedores do Liverpool.

Mas somente após 27 anos do trágico ocorrido, em 2016, que um segundo inquérito concluiu que foram as falhas dos policiais e das autoridades, os responsáveis pelo fatídico dia no estádio Hillsborough. A torcida foi absolvida da culpa pelo júri,  tirando depois de tantos anos um peso imenso. Mesmo que tardia, a justiça sobressaiu. Foi o processo judicial mais longo da história legal do Reino Unido.

A tragédia é sentida e lembrada por todos os torcedores o Liverpool. O clube criou em seu estádio, o Anfield Road, um memorial com o nome de cada torcedor morto, escrito em uma parede. O local tem uma chama que nunca se apaga, em respeito aos que perderam suas vidas naquele 15 de abril de 1989.

Uma data sagrada para os ingleses e todos os torcedores de futebol no mundo. Uma tragédia que deixou mais que uma lição, criou uma união de todos contra mais acontecimentos ruins que possam se suceder.